Resumo: Esse é um artigo de utilidade pública para advogados e juízes. Trata-se de um manual prático que consolida não apenas os recursos disponíveis de aplicação de IA na rotina jurídica, mas também as cautelas que devem ser observadas no seu uso.
Publicado em Janeiro de 2025.

INTRODUÇÃO
O presente artigo pressupõe que você já tenha algum conhecimento sobre o que significa a inteligência artificial generativa, doravante IA Gen. Por isso, não abordarei aspectos sobre a parte teórica propriamente dita, restringindo-me às suas aplicações práticas, à regulamentação e aos aspectos de segurança.
Quando tratamos de aplicações práticas da IA Gen no ramo jurídico, quase sempre estamos falando das ferramentas que lidam com o processamento de linguagem natural, dentre as quais podemos citar como destaque o ChatGPT, o Gemini e o Claude.
Os modelos de IA Gen são capazes de criar modelos e documentos jurídicos; fazer análises inteligentes de contratos e de casos complexos; realizar atendimentos automatizados; efetivar pesquisas sofisticadas e sumários de jurisprudência; implantar conceitos de jurimetria, predição e análise de grandes volumes de dados; identificar padrões para ações estratégicas; elaborar resumos, relatórios e sínteses; realizar triagens, categorização ou automação de tarefas; dentre inúmeras outras tarefas que dependem puramente do binômio criatividade e possibilidade.
Com isso, temos uma infindável gama de possibilidades de aplicação nas rotinas jurídicas, o que demanda do operador do Direito a habilidade no seu manuseio e o conhecimento acerca dos regulamentos, limitações e requisitos de segurança no uso de quaisquer das múltiplas alternativas de mercado.
Assim, o presente artigo está organizado em duas grandes partes: na parte I, denominada “Da Aplicação Prática”, vou fornecer todas as informações necessárias à capacitação do usuário para fazer uso dos recursos de IA Gen; na parte II, denominada “Das normas e cautelas de uso”, tratarei do conteúdo relacionado às normas e às as cautelas de segurança necessárias ao uso das ferramentas.
PARTE I - DA APLICAÇÃO PRÁTICA
1) Engenharia de Prompt
Uma das habilidades essenciais na utilização da inteligência artificial generativa para a criação e o manuseio de textos é a engenharia de prompt. Trata-se de um conceito que envolve a criação de instruções claras e eficazes para modelos de IA Gen (os comandos dados à máquina). Embora haja técnicas cientificamente comprovadas, boa parte delas são objeto de experimentos aleatórios.
Como referido acima, a engenharia de prompt refere-se ao processo de otimizar as instruções fornecidas a modelos de IA, visando obter respostas precisas, qualificadas e relevantes. Logo, um bom prompt pressupõe comandos claros, específicos, contextualizados e sem ambiguidades.
Entendo que a engenharia de prompt é a habilidade mais importante no contexto da IA Gen, principalmente porque os comandos feitos à IA são o alicerce básico de respostas mais precisas, tratando-se efetivamente do elo entre o usuário e a IA, ou seja, a comunicação com os modelos de IA. Engenharia de prompt, pois, é sobre comunicar-se de maneira eficiente com os modelos de IA.
2) Assistentes de IA (“robôs”)
Com os assistentes de IA, tais como os "GPTs personalizados" do ChatGPT ou os “GEMs” do Gemini, é possível customizar um modelo para que se torne especialista em alguma matéria ou função, com instruções bem definidas e dados de treinamento que o próprio usuário pode incluir (documentos padrão para que o assistente use como referência). Trata-se de recurso recomendável para tarefas recorrentes e que demandam uma especialidade no seu tratamento.
Um assistente de IA, portanto, é configurado para atuar em contextos específicos, seguindo instruções, estilo e conteúdos determinados previamente. Atualmente, esse é o recurso de melhor custo benefício para usuários de IA Gen: é razoavelmente simples de ser criado e tem um desempenho extremamente positivo, especialmente na criação de assessores jurídicos virtuais para análises, geração de ideias ou até mesmo para o auxílio em tarefas recorrentes como relatórios, validação de conformidade de contratos ou mesmo para a elaboração de documentos.
3) Agentes de IA (Multiagentes)
Segundo Sam Altman, CEO da OpenAI, o mercado de trabalho sofrerá impactos relacionados à entrada dos agentes de IA em 2025. Isso porque eles são a grande evolução da IA Gen até o presente momento, dando um passo a mais em direção à ideia de IA Geral.
Os Agentes de IA são programas que, baseados em algoritmos sofisticados, possuem maior autonomia para tomar decisões com base em regras predefinidas e em seu aprendizado contínuo. Diferentemente dos assistentes de IA, que dependem de interações pontuais para executar tarefas, os agentes de IA são sistemas autônomos, capazes de operar continuamente, tomar decisões baseadas em regras predefinidas, resolver problemas complexos e se integrar a outros sistemas ou agentes.
Quando reunidos, os agentes de IA assumem o caráter de multiagentes, funcionando de maneira integrada e complementar, conforme o exemplo abaixo:
Agente A: Automatiza a análise inicial do caso e coleta documentos necessários
Agente B: Realiza uma triagem automática de jurisprudências relevantes e redige minutas de petições.
Agente C: Monitora prazos processuais e envia notificações para a equipe jurídica.
Agente D: Interage com o cliente, atualizando-o sobre o andamento do processo.
Perceba que os Agentes de IA podem funcionar como um verdadeiro grupo de executores de tarefas autônomas que dialogam e se complementam entre si. E é nisso que reside a grande disrupção desse recurso. Contudo, por ser ainda muito recente, deve ser utilizado com cautela, já que implica muitos riscos (passível de alucinações e vieses em suas decisões), potencializados em razão da sua maior autonomia.
4) Integrações
Para usuários iniciantes e intermediários, o uso de IA Gen restringe-se à aplicação de engenharia de prompt, bem como à eventual criação de assistentes de IA e/ou agentes de IA. No caso de usuários avançados, assim definidos como aqueles que possuem maiores conhecimentos na área de tecnologia, as integrações são incríveis aliadas na automação de tarefas e na facilitação dos fluxos de trabalho.
Nesse contexto, é possível fazer o uso de plugins e/ou ferramentas de mercado (automações de processo), tais como o N8N, Make e a Zapier, para criar integrações entre as aplicações de IA (ChatGPT, Gemini e etc) com outras aplicações ou sistemas utilizados pelo usuário. Nesse ponto, ressalto a importância de que não sejam efetivadas integrações sem o conhecimento integral do seu funcionamento ou das políticas de uso, dado tratar-se de operações de maior risco.
Outro recurso de integração, mais avançado ainda, é o uso dos modelos de IA Gen por meio das APIs. As Applications Programming Interfaces atuam como pontes de comunicação entre diferentes sistemas, facilitando a troca de dados e a execução de funcionalidades. Geralmente essa solução é adotada por corporações ou Tribunais, uma vez que a customização exige programação (para criação e acompanhamento) e o dispêndio de recursos mais altos para o seu uso, embora neste último caso estejamos em vias de ver a queda nos preços para o seu uso.
Em suma, as APIs são a ponte para que um programa baseado em IA Gen seja desenvolvido de maneira customizada e integrada por um usuário ou corporação.
PARTE II - DAS NORMAS E CAUTELAS DE USO
1) Normas/recomendações que devem ser observadas
Sobre as normas/recomendações a serem observadas, destaco a Recomendação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Nacional e a Resolução nº 332/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orientam os operadores do direito sobre o uso profissional das ferramentas.
Cumpre ressaltar que a atual Resolução nº 332/2020 do CNJ tem sido objeto de revisão por grupo de trabalho criado pelo atual Presidente do Conselho. Após a primeira versão do documento, observam-se tendências de que o novel texto trará ressalvas e requisitos para a utilização segura das IAs de maneira privada por juízes e servidores.
2) Cautelas de segurança no uso
Vivemos uma era de transformação digital, onde a Inteligência Artificial tem revolucionado a forma como trabalhamos, aprendemos e interagimos. Ferramentas como o ChatGPT representam um salto significativo na produtividade e na inovação, mas também trazem à tona questões delicadas sobre segurança, ética e responsabilidade no tratamento de informações, especialmente no âmbito jurídico.
Podemos conceituar a proteção de dados como o conjunto de práticas destinadas a garantir que informações pessoais ou sensíveis sejam tratadas com segurança e confidencialidade, evitando-se vazamentos ou o seu uso indevido. Com a proteção de dados busca-se evitar vazamentos, fraudes e outros incidentes que possam comprometer a privacidade dos usuários.
A LGPD (Lei 13.709/18) regula o tratamento de dados pessoais no Brasil, impondo medidas rigorosas de proteção a informações sensíveis e sigilosas. No contexto jurídico, isso implica um cuidado redobrado ao usar ferramentas de IA para redigir peças, analisar documentos ou realizar consultas, especialmente quando lidamos com dados de clientes e partes.
Dentre os dados, destaca-se a categoria “dados sensíveis”, os quais possuem um regime jurídico diferenciado de proteção, com assunção de maiores responsabilidades pelas organizações na sua guarda ou uso, prevendo, inclusive, sanções em caso de descumprimento.
Os dados sensíveis podem ser conceituados como informações pessoais que revelam aspectos íntimos ou delicados da vida de uma pessoa. Segundo a LGPD, podem ser classificados como dados sensíveis aqueles relacionados a/á:
a) Origem racial ou étnica
b) Convicção religiosa
c) Opinião política
d) Filiação a sindicato ou organização de caráter religioso, filosófico ou político
e) Dados referentes à saúde
f) Dados sobre vida sexual ou orientação sexual
g) Dados genéticos
h) Dados biométricos
Dados pessoais como CPF, RG, nome, endereço, telefone e congêneres não se confundem com os dados sensíveis. A diferença entre dados pessoais e dados sensíveis está no grau de proteção: enquanto os dados pessoais merecem proteção da LGPD, os dados sensíveis possuem um nível especial, um regime jurídico diferenciado e mais restritivo.
Advogados, juízes e profissionais do setor jurídico lidam, invariavelmente, com dados sensíveis e dados pessoais de clientes e partes. Logo, para mitigar riscos associados ao uso de IA, é crucial adotar práticas como:
a) Jamais inserir dados sensíveis ou sigilosos no prompt. Faz-se necessário anonimizar informações sensíveis: remover ou substituir nomes, documentos e outros dados identificáveis antes de inserir informações em ferramentas de IA.
b) Utilizar soluções confiáveis: optar por ferramentas que ofereçam certificações de segurança e conformidade com legislações de proteção de dados, como a LGPD.
c) Desativar armazenamento de dados: configurar plataformas de IA para evitar que as informações fornecidas sejam usadas para treinamento de modelos futuros.
CONCLUSÃO
Vimos que a IA Gen mais utilizada no âmbito jurídico é aquela que funciona com base no processamento de linguagem natural. Ferramentas como ChatGPT, Gemini e Claude despontam como destaque e podem servir para as mais variadas tarefas da rotina jurídica, dependendo apenas do binômio criatividade e possibilidade. Ademais, observamos que, sob o ponto de vista prático, é importante que o operador do direito tenha conhecimento e habilidades em quatro conceitos: engenharia de prompt, assistentes e agentes de IA, bem como sobre integrações. Por fim, vimos os aspectos normativos e as cautelas no uso que devem ser observados.
Compete aos profissionais, tendo em suas mãos tais informações, buscar o aprofundamento, a atualização e a capacitação contínua, na medida em que a conexão do Direito à tecnologia é um fator de vantagem competitiva e até mesmo necessidade. O Direito segue sendo (e sempre será) a matéria-prima e o conteúdo principal nas rotinas jurídicas, mas a IA Gen passa a ser um instrumento fundamental a dar vazão à produção jurídica dentro da estrutura e do contexto social na atualidade e no futuro.

REFERÊNCIAS
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OLIVEIRA, S. R. M.; FERREIRA, A. D. B. Modernização da advocacia: desafios e oportunidades na era da tecnologia e profissionalização. Revista Direito, 2024.
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SUSSKIND, Richard. Tomorrow's Lawyers: An Introduction to Your Future. 3rd ed. Oxford University Press, 2023.
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